Gerenciamento de resíduos com auxílio da tecnologia visa reduzir desperdício e proteger o planeta

Produzir máquinas e sistemas de coleta inteligente que otimizam a logística reversa ea  reciclagem de resíduos sólidos recicláveis para empresas, incentivando a educação ambiental e engajando o consumidor através da gamificação.

Esta é a proposta da Flori Tech, cleantech que busca promover a redução do impacto dos resíduos sólidos no meio ambiente e, ao mesmo tempo, mudar o comportamento do consumidor através da educação ambiental pela gamificação do descarte dos recicláveis

“Trazemos a implementação de máquinas e sistemas de coleta gamificada para descarte de resíduos pós-consumo, visando o descarte correto, o engajamento com o consumidores e educação ambiental”, enfatiza Thaís Guerra, mestre em Ciência e Tecnologia de Polímeros (IMA/UFRJ) e Desenho Industrial (UFRJ) e CEO da empresa. “Nosso propósito é fazer uma revolução na cultura da reciclagem, através da tecnologia e inovação, de maneira acessível.”

 

A CEO da Flori Tech, Thaís Guerra. Foto: Divulgação

 

Em entrevista à Revista A Lavoura, Thaís fala sobre posicionamento, propostas e soluções da empresa, que é integrante do SNA Startup Hub (SNASH), novo hub de agtechs e edutechs criado pela Sociedade Nacional de Agricultura (SNA), que reúne startups com foco em soluções para o agronegócio.

A Lavoura: Como surgiu a ideia de criar a Flori Tech?

Thaís Guerra: Nossa jornada começou de forma despretensiosa durante o hackathon Hacking Rio, uma maratona de programação, no qual nos inserimos no setor de cleantech. Lá que nos deparamos com o problema da destinação inadequada de resíduos sólidos, inspirados principalmente pela quantidade absurda de resíduos gerados no evento, como caixas de pizza, latas de energéticos, copos de café e garrafas de água.

A Lavoura: Como foi a evolução?
Thaís Guerra: Inicialmente, criamos uma plataforma com o objetivo de incentivar as pessoas a descartarem seus resíduos de forma correta, usando a gamificação para envolver o público. O feedback dos jurados para a nossa solução, feita no final de semana do evento, acabou nos motivando a levar a ideia a diante. Após passarmos por um processo de pré-aceleração no programa Shell Iniciativa Jovem, e com menos de um mês antes da banca final, decidimos analisar nossa solução. Nesse momento, pivotamos o nosso modelo de negócios para algo que tivesse um impacto real e oferecesse mais oportunidades de monetização. Durante o ano de 2021, entendemos que a Flori Tech poderia ser um negócio viável e estruturamos  nosso modelo de negócios e estratégia, e em 2022, iniciarmos nossa operação com os primeiros clientes.

 

Máquina de coleta em evento. Foto: Divulgação

 

A Lavoura: Quais os objetivos da empresa?

Thaís Guerra: Nosso propósito é gerar revolução na cultura da reciclagem através da tecnologia e inovação, de maneira acessível. Buscamos reduzir o impacto dos resíduos sólidos no meio ambiente, utilizando máquinas de coleta inteligentes como plataforma para otimizar a logística reversa e a reciclagem de resíduos e, ao mesmo tempo, mudar o comportamento do consumidor através da educação ambiental pela gamificação do descarte dos recicláveis.

A Lavoura: Quais os serviços oferecidos pela startup?

Thaís Guerra: A principal solução da empresa é a máquina de coleta inteligente de resíduos sólidos que, por meio da gamificação, analytics de impacto socioambiental e beneficiamento do consumidor a cada descarte correto, alavanca o engajamento do público, impulsionando a educação ambiental, corroborando no posicionamento de marca, aumentando o retorno ao ponto de venda. Para dar suporte, temos nossos sistemas de hardware e software que realizam a leitura de dados de descarte, impacto e público e transmitem para nossas plataformas que podem ser utilizadas pelos nossos clientes para monitoramento de impacto e acompanhamento de métricas de ESG (da sigla em inglês, Environmental, Social and Governance).

A Lavoura: Como funcionam essas soluções?

Thaís Guerra: As soluções de coleta inteligente para destinação correta de resíduos sólidos alia fidelização à responsabilidade social e ambiental, sendo mensuradas através de dados de comportamento pós-consumo e de redução de emissões. A Flori Tech utiliza tecnologia através da construção da nossa plataforma baseada em internet das coisas (IoT), alimentada pelos dados de sensoriamento de descartes e de métricas quantitativas obtidas através dos dados de descarte das nossas máquinas, relacionando aos consumidores que realizaram a ação, através de um sistema de gamificação. Trazemos a implementação de máquinas e sistemas de coleta gamificada para descarte de resíduos pós-consumo visando o descarte correto, engajamento com o consumidores e educação ambiental. Geramos valor através dos analytics de pós-consumo, esses dados possibilitam a fidelização dos consumidores para as marcas, assim como aumento de vendas e rotatividade em estabelecimentos. O nosso modelo de negócios é locação mensal, que está baseada em uma solução de monitoramento completa que inclui uma plataforma de monitoramento, sistema de sensoriamento, análise baseada em Internet das Coisas, atualizações regulares de software e hardware, integração de APIs, manutenção e suporte técnico. Por meio da capacidade de personalização, permitimos que os nossos clientes adaptem a tecnologia de acordo com suas necessidades. Desenvolvida internamente, temos a flexibilidade necessária para realizar modificações na tecnologia, coleta de dados e design da máquina, resultando em maior impacto.

 

O CTO da Flori Tech, Gabriel Bastos e a CEO, Thaís Guerra. Foto: Divulgação

 

A Lavoura: Como as soluções da empresa geram valor aos clientes?

Thaís Guerra: Podemos destacar como geração de valor pela nossa solução, os dados/analytics de pós-consumo (dados do seu público consumidor); mensuração de impacto em tempo real; destinação correta de resíduos sólidos (conformidade com a Política Nacional de Resíduos Sólidos); retenção do cliente, aumento de engajamento (cliente ou colaborador); responsabilidade socioambiental; posicionamento de marca, marketing de propósito e integração de clube de benefícios/fidelidade com sistema de descarte inteligente para aumento de retenção.

Máquina de coleta em instituição de ensino. Foto: Divulgação

 

A Lavoura: Como usar a solução e quais os benefícios?

Thaís Guerra: A jornada da máquina da Flori Tech inicia com a assinatura do serviço por parte dos clientes B2B, que inclui acesso a um sistema inteligente de sensoriamento embarcado nas máquinas de coleta. Nossos clientes B2B também se beneficiam da integração de APIs oferecida pela empresa, o que permite uma operação perfeitamente acoplada aos seus sistemas. Isso é particularmente útil para empresas que gerenciam clubes de benefícios, pois podem vincular a base de dados de consumidores que utilizam as máquinas à sua própria base de dados de benefícios. Nossos clientes B2B também têm acesso ao dashboard da Flori Tech contendo relatórios atualizados que destacam o impacto positivo da sua operação. Esta ferramenta é parte integrante de nossa plataforma de monitoramento, que permite acompanhar o desempenho das máquinas. Todo o sistema, assim como as próprias máquinas recebem atualizações contínuas de software e hardware para garantir eficácia e melhorias constantes. Para o consumidor, utilizar a máquina é uma tarefa simples e rápida. Não é necessário fazer nenhum cadastro para descartar resíduos, a menos que desejem receber benefícios. Nesse caso, o consumidor pode digitar o CPF na tela touch da máquina para associar seu perfil aos pontos recebidos. O cadastro completo pode ser concluído posteriormente por meio da plataforma Web App, acessada via celular ou computador. Como recompensa imediata, a pessoa que descarta resíduos com pontos vinculados ao seu perfil recebe benefícios, como cashback, pontos de fidelidade, brindes ou vouchers de desconto. A natureza desses benefícios varia de acordo com cada máquina, uma vez que são oferecidos de maneira independente por cada cliente contratante. Os benefícios acumulados podem ser monitorados de maneira unificada pela plataforma. Também oferecemos treinamento à equipe de coleta, garantindo uma operação otimizada. As coletas são programadas de acordo com o volume de resíduos gerados e são avisadas com o melhor momento para coletar o material com antecedência (é informado com cerca de 70% do volume interno preenchido) através do aplicativo de coleta, onde é possível traçar as rotas de coleta, tornando o processo otimizado. Os resíduos coletados são destinados para as cooperativas locais certificadas. Além disso, oferecemos serviços de manutenção remota e, quando necessário, manutenção presencial preventiva ou corretiva para garantir que as máquinas estejam sempre operacionais.

A Lavoura: Para quais os segmentos ela é indicada?

Thaís Guerra: Fabricantes de bens de consumo (como alimentos, bebidas, cosméticos, eletroeletrônicos); comércio varejista (supermercados, shoppings, farmácias, dentre outros); instituições de ensino (escolas e universidades); e condomínios (residenciais e comerciais) e eventos. Dentre alguns dos nossos clientes estão a Nespresso, Jaguar Land Rover, Shell, Bebidas Poty, EDP Energia.

A Lavoura: Quais os benefícios dessas soluções?

Thaís Guerra: Conseguimos reduzir a quantidade de resíduos enviados para aterros sanitários, economizando recursos naturais e diminuindo a pegada de carbono. Além disso, promovemos a reciclagem e a conscientização ambiental ao incentivar as comunidades a adotar práticas mais sustentáveis. Em um ano e meio de operação, a Flori Tech impactou cerca de 9.576 pessoas e coletou mais de 40 toneladas de resíduos destinados corretamente, o que representa uma retorno financeiro de R$ 170.000,00 para cooperativas de reciclagem. Monitoramos a emissão de CO2 e gás metano evitada através do descarte correto de resíduos, além do peso e tipo de resíduos reciclados, bem como a quantidade de pessoas impactadas e a abrangência da solução. Isso permite que as empresas acompanhem seus esforços ambientais e aumentem a conscientização entre os envolvidos em tempo real. Todos os dados gerados pelas máquinas e transmitidos para as plataformas podem ser exportados para relatórios, além de terem integração de API para os sistemas dos clientes.

A Lavoura: Houve algum impacto social?

Thaís Guerra: Como impacto social, reconhecemos a importância de levar tecnologia para outras regiões, independentemente do nível socioeconômico. Através de iniciativas estratégicas, também implementamos máquinas em favelas e regiões menos assistidas, permitindo que essas comunidades também se beneficiem da sustentabilidade aliada à tecnologia. Um dos nossos principais cases de sucesso é na favela da Rocinha, onde trabalhamos com parcerias estratégicas visando impulsionar a educação ambiental para crianças em escolas municipais.

A Lavoura: O que você destacaria como diferencial da empresa?

Thaís Guerra: O diferencial competitivo da empresa é a nossa jornada de gamificação para engajamento do consumidor e  a capacidade de oferecer uma solução holística e customizada para a gestão de resíduos, de acordo com as demandas de cada empresa. Por exemplo, para certos casos, o cliente pode estar interessado em fazer o engajamento dos seus colaboradores, ou melhorar a fidelização dos seus clientes com o seu clube de benefícios, aumentar a quantidade de resíduos coletados, promover melhor posicionamento de marca, dentre outros. Outra característica essencial da Flori Tech é a capacidade de aceitar o descarte de qualquer resíduo reciclável, independentemente do tamanho, presença de código de barras ou rótulo. Essa funcionalidade oferece maior conveniência e menor atrito na jornada aos consumidores ao permitir o descarte de qualquer tipo de resíduo reciclável.

 

Para a CEO da Flori Tech (á esquerda), o grande desafio para aumentar a taxa de reciclagem no Brasil ainda é gigante. Foto: Divulgação

A Lavoura: Como você avalia o cenário atual e futuro a partir da implementação dessas novas tecnologias para o setor?

Thaís Guerra: O cenário atual é muito promissor. Recentemente saiu a notícia de que o Brasil é 1º país do mundo a adotar oficialmente padrão global de reporte de dados ESG, após a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) editar uma resolução que avaliza as normas do International Financial Reporting Standards (IFRS).  Ou seja, o mercado está cada vez mais propício para ações desse tipo, as regulamentações estão cada vez mais rígidas, o público consumidor está mais exigente, e o mercado endereçável apresenta números muito interessantes.

A Lavoura: Quais os desafios par impulsionar a logística reversa e o reaproveitamento de resíduos?

Thaís Guerra: O grande desafio de aumentar os recorrentes 3% de taxa de reciclagem no Brasil ainda é gigante. Ano após ano os números continuam na mesma faixa e é preciso da colaboração de grandes setores para que possamos impulsionar esse percentual. O Brasil perde cerca de R$ 14 bilhões, todos os anos (Abrelpe, 2022) por não reciclar corretamente cerca de 82 milhões de toneladas de resíduos (Abrelpe, 2022). Estamos perdendo não só dinheiro, mas a oportunidade de reinvestir e gerar renda e empregos, além de otimizar a indústria e os processos logísticos. O descarte incorreto é uma consequência direta do baixo engajamento de pessoas e empresas, incluindo o déficit em educação ambiental e a falta de incentivos assertivos ao consumidor. No final, quem perde mais é o meio ambiente.