Fundador da AgriCarbon, empresa especializada em projetos e certificação de créditos de carbono envolvendo agricultura regenerativa, reflorestamento e desmatamento evitado, e que faz parte do SNASH, novo hub de agtechs e edutechs criado pela Sociedade Nacional de Agricultura (SNA)
Além disso, ele também é sócio cofundador da Equus Capital e OX2 Investimentos. Anteriormente, Felipe trabalhou no banco Itaú BBA e foi diretor de relacionamento com investidores, operações e financeiro na Tarpon. Felipe é formado em engenharia civil pela Unicamp e está cursando MBA em Agronegócios na USP/Esalq.
Felipe conversou com a SNA sobre a economia verde, expressão que engloba o conjunto de técnicas, metodologias e critérios que abrangem toda a cadeia de produção agrícola, no sentido de estender a durabilidade dos solos, regenerar pastagens, buscar fontes renováveis de energia e lidar com os efeitos das mudanças climáticas.
Para ele, os ajustes necessários estão acontecendo mais rapidamente do que se previa e o Brasil está numa posição privilegiada pelo seu tamanho, abundância de recursos naturais e protagonismo global na produção e exportação de gêneros alimentícios. Segundo Felipe, práticas sustentáveis não são mais antagônicas ao desenvolvimento; na verdade, complementam e potencializam o crescimento, pois os consumidores estão cada vez mais conscientes e selecionam produtos de acordo com a verificação de origem.
A seguir, a íntegra da conversa.
SNA – A economia verde está no centro das atenções de diversas empresas. Trata-se de um modelo econômico que visa melhorar indicadores sociais, da eficiência no uso de recursos naturais e a adesão de práticas de consumo consciente e baixa emissão de carbono. Como estudioso desse setor, qual seu olhar sobre isso, principalmente no Brasil, com tantas diferenças sociais e polêmicas sobre a sustentabilidade?
Felipe: Historicamente, a sustentabilidade e o crescimento econômico foram antagonistas e as políticas ambientais eram as vilãs do desenvolvimento. Contudo, com o avanço tecnológico, é possível produzirmos de forma sustentável uma série de produtos que no passado seriam impensáveis, como plástico a partir do etanol de cana de açúcar, que possui origem renovável e é 100% reciclável. Nesse sentido, como o Brasil possui abundância de recursos naturais, ele está unicamente posicionado para se beneficiar dos investimentos globais que viabilizarão o almejado “net zero” global, da produção de produtos verdes, alimentos mais sustentáveis e saudáveis à combustíveis renováveis. Por este motivo, com um planejamento nacional adequado, poderemos experimentar uma nova onda de crescimento ancorado pela sustentabilidade, gerando valor para trabalhadores de todas as classes sociais e para o meio ambiente.
SNA – É possível uma ruptura no sistema socioeconômico mundial se não houver transição ou adaptação para a economia verde?
Felipe: O risco é iminente. Considerando que os recursos naturais são limitados e sua demanda não dá sinais de arrefecimento, ou transformamos nossa economia voluntariamente, ou seremos forçados a fazê-lo. O problema da segunda opção é que pode ser tarde demais.
SNA – Apesar de os desafios e as oportunidades sinalizarem para a importância da economia verde, a transição para esse sistema é um processo de médio e longo prazo, que envolve comprometimento político dos Estados para uma mudança de modelo de desenvolvimento econômico. Como é isso?
Felipe: Estados que impuserem apenas políticas restritivas, como legislações ambientais rígidas, sem oferecer incentivos para o desenvolvimento da economia verde apenas promoverão a migração da produção para países com legislações mais permissivas, criando problemas para sua própria economia. Além disso, a notória falta de conexão entre as políticas públicas e estudos de viabilidade adequados levam a brechas na lei e ao desincentivo à produção. Dessa forma, uma política pública bem-sucedida deve envolver obrigatoriamente o setor privado uma vez que é este que, de fato, precisará adaptar e irá liderar os investimentos de um novo modelo. Para uma determinada indústria reduzir sua pegada de carbono, por exemplo, ela precisará de crédito para investir em máquinas mais eficientes e sustentáveis, que precisarão de mais energia renovável para funcionar e mão de obra especializada para operá-las. Além disso, de nada adianta a produção de uma determinada empresa ser sustentável se seus fornecedores não forem ou se seus produtos forem transportados por uma matriz muito poluente. Sendo assim, a política pública deste caso específico deve prever que tais linhas de crédito existam, que mais energia renovável seja gerada e transportada, que sejam produzidas ou importadas máquinas mais eficientes, que a mão de obra seja treinada e assim por diante. É apenas ao replicarmos este pequeno exemplo para todos os setores da economia que teremos a transformação real que precisamos.
SNA – A agricultura brasileira já está inserida na economia verde, com exemplos de sucesso, como a utilização de biomassa para produção de energia renovável e a intensificação sustentável do uso da terra – com a fixação biológica de nitrogênio e controle biológico de pragas. Apesar de tais avanços, o Brasil precisará se preparar para novos desafios?
Felipe: De fato, o Brasil é privilegiado com recursos naturais que permitem que tenhamos uma matriz energética majoritariamente renovável e contamos com um setor agrícola muito sustentável quando comparado ao de outros países, adotando técnicas produtivas que propiciam captura de carbono no solo, por exemplo. Entretanto, sofremos com um déficit na fiscalização ambiental que permite que o desmatamento ilegal siga causando estragos e ainda desconhecemos o verdadeiro impacto que mudanças climáticas podem ter no ecossistema e ciclo das chuvas do país. É por este motivo que projetos como o AmazonFACE, que estuda como a maior floresta tropical do mundo irá se comportar no futuro com o aumento das emissões de gás carbônico, aumento da temperatura e redução da umidade e chuvas é tão importante. Nosso país, como bem exemplificado, pode ser considerado um exemplo de produção sustentável de alimentos. Contudo, ainda podemos melhorar nosso potencial de produção com o aumento do uso de técnicas sustentáveis, ancoradas pelo uso da agricultura regenerativa. Muitos produtores já vêm se conscientizando dos benefícios dessa prática uma vez que permitem redução significativa de custos e aumento deprodução. Nesse sentido, acredito que no médio prazo, a maior parte da produção brasileira de grãos poderá ser considerada sustentável, pela alta capacidade de incremento de carbono no solo a partir do uso dessas técnicas.
SNA – Como fazer compras de supermercados mais verdes? Usar sacolas retornáveis já é o suficiente?
Felipe: O primeiro passo para realizar compras mais verdes, sejam elas de supermercado ou de qualquer outro produto, é fazer um planejamento e pesquisa de antemão. Atualmente, existem uma série de certificações que uma empresa e um produto podem ter que garantem que são produzidos de forma sustentável, possuem menor consumo de energia, orgânica ou com materiais recicláveis, por exemplo. Estes produtos e empresas devem ser preferidos em relação aos que não o são e esta simples escolha é suficiente para colocar uma pressão para que mais empresas se certifiquem. Uma vez no supermercado, é importante atentar se os produtos aparentam ser refrigerados de forma adequada e, caso vá consumir um determinado produto em pouco tempo, escolha aqueles que estão mais próximos da data de validade para evitar que sejam descartados e nunca se esqueça de levar sua sacola retornável!
SNA – No Brasil, quem quer ser um consumidor verde, pode encontrar informações sobre empresas e produtos?
Felipe: Felizmente, a maior parte das empresas que adotam práticas sustentáveis as divulgam de forma ampla dado que seus consumidores estão cada vez mais exigentes em relação ao tema. Contudo, isso também levou ao fenômeno chamado “greenwashing”, ou “maquiagem verde”, por meio do qual determinadas companhias mentem acerca de suas práticas sustentáveis. Por este motivo, o consumidor deve sempre ser cauteloso em relação às afirmações das empresas e deve acionar os canais dos serviços de atendimento ao consumidor dos fabricantes sempre que se deparar com um produto com alegações difíceis de comprovar.
SNA – Um mundo sustentável é realmente possível?
Felipe: Na minha opinião, um mundo sustentável é inevitável. Dado que os recursos naturais são limitados, não temos escolha a não ser tornar as economias globais sustentáveis. O grande problema é que essa escolha pode acontecer de duas formas: (i) uma relativamente tranquila por meio da qual os Estados agem de forma preventiva e adotam políticas que viabilizem a transição para um mundo“net zero”; ou (ii) catastrófica, que levará Estados a competirem por recursos naturais cada vez mais escassos por meios militares e populações a migrarem de seus países por falta de alimentos, fazendo com que sofremos as consequências do nosso descaso. Diante desse cenário, precisamos fazer a nossa parte tornando nossas próprias vidas e negócios mais sustentáveis ao mesmo tempo em que pressionamos os políticos e empresas para criarem as condições necessárias para que um novo mundo possa existir.